Haviam mais ou menos cinco ou seis livros ainda embalados na minha mesa. Na cama, havia uma pilha de roupas limpas, na arara, os cabides não eram suficientes e praticamente desmoronaram. Na bolsinha amarela, eu tinha um baseado e uma bala – nunca se sabe qual dos dois seria necessário em caso de emergência. As gatas transitavam pelo quarto me encarando. Às vezes, tinha certeza de que elas estavam me julgando. Podia sentir o desprezo nos olhos verdes, azuis e arregalados que me fitavam entre um banho e outro.
Se estivesse na posição delas, me julgaria também. Eu não dormia mais de quatro horas por noite, não fumava menos de um maço por dia e não passava um final de semana em casa. Estava sempre falando sozinha, procurando alguma resposta decente pros meus questionamentos. Sempre divagando, sempre batendo incessantemente nas teclas do computador, sempre ouvindo uma música qualquer. Mas em vinte dias, teria a chance de recuperar um pouco da minha sanidade. Estaria em outro lugar, com outras pessoas, bebendo de frente pro mar e pensando “isso que é vida, morar em São Paulo está acabando comigo.”
A primeira vez que eu saí de São Paulo e visitei o Rio, estava à beira de um colapso mental. Sentia que precisava fugir por uns dias e sinceramente não sabia o que esperar além de um calor infernal. O que eu encontrei lá, felizmente ou infelizmente, foi muito mais que isso. Dei a sorte de esbarrar com a garota mais linda de Cabo Frio, descobri que se pudesse passaria a vida bebendo à beira-mar, pude vislumbrar todos os cenários que passei anos vendo apenas pela TV, fiquei bêbada num estádio enquanto xingava o Flamengo e me apaixonei perdidamente. Não por um residente, mas pela cidade. O Rio de Janeiro além do cheiro de brisa do mar e eventualmente de mijo, também tinha cheiro de esperança.
Volta e meia, me imaginava morando no Leblon. Tinha alguma coisa na ideia de acordar perto da praia, tomar um café numa padaria cara, passar raiva no trânsito caótico que é o carioca, ir pra qualquer quiosque após o expediente e ficar bêbada que simplesmente me fascinava. Essa era a definição dos “dias melhores’’ que eu implorava toda noite após beber uma garrafa de vinho.
Uma vez, conheci um garoto que fazia eu me sentir exatamente assim. Ele era lindo (do nível Barra da Tijuca), o toque dele na minha pele me lembrava da primeira vez que vi Copacabana (uma sensação esquisita de felicidade e medo), conversar com ele era como estar na Lapa (eu me empolgava e falava demais) e a nossa foda era comparável ao Mirante do Leblon, eleito por mim o lugar mais bonito de toda a cidade.
Mas nem tudo que reluz é ouro, já que no Rio o sistema metroviário é horrível, você precisa implorar para ser atendida pelos garçons, ninguém nessa porra de cidade sabe dirigir feito uma pessoa normal e eu nem vou começar a comentar sobre acordar com barulhos de tiro ou a repressão violenta da polícia carioca. Assim, o garoto também tinha suas facetas de cobre; nunca era claro em seus posicionamentos, interpretava as coisas do jeito que queria, o ego do tamanho do Cristo Redentor e eu também suspeitava de uma certa tendência a abandonar tudo aquilo que não fosse mais conveniente, ainda que adorasse usar o termo “responsabilidade afetiva”.
Eu nunca deixei de amar ou de odiar nada na minha vida. Tinha certa resistência em deixar sentimentos para trás, era basicamente uma acumuladora de emoções. Mas também não recuso coisas novas por lealdade a algo, a não ser em raras exceções – e eu me arrependo de todas elas. Assim, o Rio de Janeiro continua lindo, mas nas próximas férias, eu vou pra Ilhéus.